Alguns pacientes nos marcam.
Uma paciente, de doze anos de idade, em tratamento para uma doença terminal há mais de um ano. Chegado o dia em que o quadro, apesar de todas as tentativas terapêuticas, não apresenta a mínima melhora. Sua qualidade de vida está comprometida. Uma família contendo três crianças pequenas adaptaram sua rotina para tê-la consigo durante mais um ano. Mas chegou a hora.
Outro paciente, de catorze anos, que havia ganho um irmão mais novo. Não estava mais tão ativo, não brincava tanto quanto o novo integrante da família, fazia anos que não banhavam-o por conta dos problemas na coluna, sob orientação de seu veterinário anterior. Pelo estresse de um filhote em casa, possivelmente, não estava mais se alimentando. “Viemos porque não está comendo, mas não queremos que ele sofra. Queremos eutanasiá-lo”.
Quantas vezes vivenciamos estas situações na nossa rotina? Como devemos agir?
Nós não somos ensinados a ser bons em levar nossos pacientes à morte. Ninguém nos ensinou como entrar em uma sala para uma ‘consulta de eutanásia’. O que dizer a um adolescente que chora pelo pet que o acompanhou desde a infância? O que fazer com um senhor idoso que acaba de perder seu animal de estimação, último link com sua esposa? Como reagir a um tutor que traz seu pet saudável para eutanásia, porque ele está senil? São raros os profissionais que receberam orientação de como transformar este difícil momento em algo mais leve para todos, inclusive para o próprio médico veterinário.
Enquanto a medicina veterinária vê a eutanásia como um fim de sofrimento ou uma morte digna ao paciente, há muitos paralelos na medicina humana. Embora sejamos a única profissão médica licenciada para eutanásia, ela pode ser uma parte moralmente complexa da prática. Pode-se esperar que quem é responsável por executá-la se recuse a fazer, quando considerar anti-ético e, pessoalmente, ultrapassar seus limites e princípios ou cercar seus próprios dilemas.
Quando você deve eutanasiar? Quando você a recomenda? Como se referir a este procedimento ao proprietário? É medicamente justificável? Se a solicitação for por conveniência, deve ser aceita? O animal poderia ser adotado por uma nova família ao invés de eutanasiado? A morte natural é aceitável, se for controlada toda e qualquer dor que possa sentir?
Segundo o Guia Brasileiro de Boas Práticas para a Eutanásia em Animais do CFMV “a eutanásia deve ser indicada quando o bem-estar do animal estiver comprometido de forma irreversível, sendo um meio de eliminar a dor e/ou sofrimento dos animais, os quais não podem ser controlados por meio de analgésicos, sedativos e outros tratamentos”. E este pode ser um bom direcionamento.
A prática da eutanásia também nos afeta emocionalmente. Temos hospitais veterinários que realizam muito mais eutanásias que vacinas. Enfrentar a pressão do tutor, a sua bagagem emocional, o quadro clínico do paciente, pode ser particularmente estressante. Sempre vale avaliarmos nossa conduta, se ela segue a ética e respeita nossos princípios morais, para que seja algo tragável por nós mesmos.
Se não o for, caso não concordemos em realizar o procedimento, também temos esta liberdade. E a resolução do quadro final pode ser ótima para o médico veterinário, para os tutores e para o próprio paciente.
Sobre a primeira paciente descrita no início deste texto, no dia anterior, a pergunta da tutora foi “o que podemos fazer de mais legal para ela hoje?”. Montaram um acampamento na sala de estar, juntamente com um hamburguer e fritas para todos – sem exceção – os integrantes da família. Dormiram ali. Juntos. Curtiram a noite e guardam, até hoje, os momentos mais felizes!
Sobre o segundo paciente, depois de avaliá-lo, acreditar que uma nova chance pode ser dada ao pet e sugerir passos diferentes daquele proposto pelos tutores foram fundamentais. Internamos-o durante doze horas, onde ele recebeu alimentação (espontânea), realizou suas necessidades, recebeu banho e tosa e, no dia seguinte, ao encontrar seus tutores, fez seus olhos marejarem de gratidão e felicidade!
Cada caso deve ser avaliado individualmente. E ele pode sim, ser mais leve para os tutores, e para os médicos veterinários. Depende da conduta que adotamos antes, durante e após o procedimento.
Dra. Larissa Seibt
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