A cardiologia veterinária vem assumindo uma grande importância no universo da medicina esportiva, especialmente quando se trata de equinos. A conduta não diz respeito apenas à detecção de alterações cardíacas e tratamentos instituídos adequadamente, mas também em estabelecer prognósticos na vida atlética e sobrevida, racionalizando a atividade a que se destina o animal.
Em comparação com outras espécies domésticas, os equinos têm uma alta incidência de arritmias cardíacas. Várias dessas são fisiológicas, produzidas por mecanismos neuro-hormonais, que não acarretam em queda no desempenho atlético ou necessidade de tratamento, como bloqueio atrioventricular de primeiro grau, bloqueio atrioventricular de segundo grau, marca-passo migratório e arritmia sinusal. Também podem fazer-se presentes arritmias acompanhadas de queda no desempenho físico, como os complexos atriais e ventriculares prematuros, bloqueio atrioventricular de segundo grau avançado, bloqueio atrioventricular de terceiro grau e fibrilação atrial.
Distúrbios de formação e condução de impulso elétrico, avaliação e acompanhamento de doenças cardíacas, distúrbios de condução não notórios durante o exercício em animais considerados previamente hígidos, ou ainda avaliação de arritmias cardíacas diagnosticadas em animais em repouso e complicações que podem surgir quando o animal é submetido ao exercício intenso, são algumas das aplicabilidades do exame eletrocardiográfico em equinos.
Entretanto, deve ser inserido num exame clínico minucioso, podendo ser indicado não somente em situações onde há suspeita de alterações de ritmo cardíaco, mas também como forma preventiva em exames para a compra de animais, exame pré-cirúrgico a fim de avaliar o risco do procedimento, avaliação de condicionamento físico e racionalização de atividade esportiva.
A realização deste exame é uma prática simples que, para monitorização adequada e de qualidade, necessita da implantação, aplicação e imobilização apropriada dos eletrodos sobre a pele do animal, mediante aplicação de álcool ou gel nos locais de fixação, melhorando o sinal e reduzindo interferências.
O sistema de derivação bipolar ápice-base é um dos sistemas utilizados em equinos. Apresenta grande praticidade pelo local de inserção dos eletrodos, além de apresentar traçados regulares com complexos de grande amplitude, facilitando a leitura. Neste modelo, posiciona-se o eletrodo amarelo no lado esquerdo, acima do ápice cardíaco, logo atrás do olécrano; o eletrodo vermelho no lado direito, cranial à escápula, próximo à veia jugular; e o eletrodo preto é fixado no pescoço do animal.
Para evitar fatores estressantes aos animais, como o envolvimento com pessoas que não àquelas em que está habituado e garantir maior confiabilidade no exame, pode-se utilizar do aparelho de eletrocardiograma com o sistema de Bluetooth, o qual permite uma distância de até 6m do operador em relação ao animal. Além de ser favorável neste aspecto, também permite uma maior segurança com relação aos aparelhos utilizados, visto que reduz a quantidade de fios e conexões durante a realização do exame.
Adaptações metabólicas gerais e específicas ocorrem conforme o treinamento é realizado, dependentes do tipo de esforço em que o animal é submetido. Fatores cardiovasculares em particular são importantes quando se moldam adaptações, levando em conta seu papel de suprir oxigênio aos músculos durante a atividade física, especialmente para síntese de energia.
Considerando tais informações, além da monitorização eletrocardiográfica com o animal em repouso, torna-se também importante realizá-la durante atividade física. Esta deve ser exigente o suficiente para aumentar a demanda enérgica e acelerar o metabolismo celular na produção de adenosina trifosfato (ATP).
As reservas intracelulares de ATP são muito baixas e, para continuar sob esforço o organismo demanda de três vias para sua ressintetização, de acordo com sua latência, intensidade e capacidade de gerar energia. A primeira provém do sistema ATP-fosfocreatina, que procede da reserva muscular de fosfocreatina, e a disponibiliza em pequena quantidade, fundamental para exercícios que demandam movimentos explosivos. Outra via é através do metabolismo oxidativo, o qual envolve a oxidação total dos carboidratos e ácidos graxos, resultando em gás carbônico e água dependente do oxigênio molecular. Esta via é mais lenta, porém gera maior quantidade de energia e não acumula metabólitos, onde se obtém melhor desempenho físico. E por último, a via da glicólise anaeróbica ou sistema do lactato. Esta é empregada quando excede o limiar aeróbico ou o fornecimento de oxigênio para a célula for insuficiente, iniciando o metabolismo anaeróbico.
Conhecendo essa fisiologia, o volume de oxigênio máximo e o limiar de lactato são dois parâmetros importantes para avaliação de desempenho de equinos atletas. Uma vez que o sangue bombeado oxigenado determina a duração da segunda via energética, a terceira via, ativada quando a anterior esgota-se, resulta em produção de metabólitos que são prejudiciais à atividade cardíaca, tendo grande potencial para o desenvolvimento de arritmias e redução da capacidade atlética do animal.
Neste contexto, quando se tem uma avaliação completa, incluindo o eletrocardiograma, e a percepção precoce frente às alterações que podem ocorrer decorrente da demanda orgânica, torna-se possível uma intervenção favorável, que proporcione maior desempenho e minimize o risco de complicações e morte súbita nestes animais.
Por Larissa Seibt
Já precisou fazer um ECG em equinos? Conte aqui a sua experiência como médico veterinário!
Referências
DINIZ, M.P.; MICHIMA, L.E.S.; FERNANDES, W.R. Electrocardiographic study in healthy showjumping horses. Pesq. Vet. Bras. vol.31 no.4 Rio de Janeiro Apr. 2011.
HIRAGA, A.; SUGANO, S. History of research in Japan on electrocardiography in the racehorse. J. Equine Sci. Vol. 26, No. 1 pp. 1–13, 2015.
MELO, I.H.S.; PEREIRA, L.F.; CASAS, V.F.; JUNIOR, D.P. Achados eletrocardiográficos e níveis de lactato sanguíneo em equinos submetidos ao exercício. Investigação, 14(2):104-112, 2015.
SCHEFFER, C.W.J.; SLOET van OLDRUITENBORGH-OOSTERBAAN, M.M. Computerized ECG recording in horses during a standardized exercise test. The Veterinary Quarterly, Vol 18 , N 1, march, 1996.
Todos os direitos reservados | InPulse Animal Health